Nov.2024
Conceito
A cláusula de break-up fee é uma disposição contratual por vezes utilizada em operações de fusões e aquisições (M&A), que prevê uma penalidade financeira a ser paga por uma das partes caso a transação não se concretize por motivos específicos. O objetivo desse pagamento é compensar a parte prejudicada pelos custos e despesas incorridos durante as negociações e, eventualmente, pela perda de outras oportunidades de negócio.
Redigida para contemplar contextos diversos conforme a negociação entre as partes, a cláusula de break-up fee frequentemente estipula o pagamento de multa nas seguintes situações:
(i) descumprimento da obrigação de exclusividade pela sociedade alvo, que deve evitar negociações com terceiros por um período determinado;
(ii) descumprimento de obrigações essenciais que impeçam o fechamento da operação;
(iii) ausência de aprovação societária para a realização da operação pela sociedade-alvo;
(iv) ausência de aprovação por alguma entidade regulatória como, por exemplo, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE.
Embora a cláusula de break-up fee possa ser bilateral, em geral o primeiro interessado (first bidder ou finder) é quem usualmente incorrerá em custos mais significativos (sejam financeiros ou de oportunidade), os quais poderão não ser recuperados (sunk costs) na hipótese de fracasso da operação. Nesse contexto, via de regra, a cláusula de break-up fee é redigida de modo a compensar ou, minimamente, não desestimular aquele que formula a primeira oferta.
Qualificação jurídica
Apesar do uso corriqueiro da cláusula de break-up fee em negociações de M&A, a doutrina e a jurisprudência ainda divergem quanto à sua natureza jurídica. Alguns a qualificam como cláusula penal, enquanto outros a veem como uma garantia contratual. Considerando tratar-se de dispositivo contratual em que as partes usualmente terão autonomia privada relevante para negociar os seus termos, esse mecanismo poderá ser utilizado tanto para a alocação de riscos quanto para coibir eventuais comportamentos que prejudiquem a conclusão da operação.
A qualificação jurídica dessa cláusula é relevante, pois, no caso de cláusula penal, apenas quem “culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora” (art. 408 do Código Civil) está sujeito às penalidades. Ademais, sendo cláusula penal, o “valor da cominação imposta [...] não pode exceder o da obrigação principal.” (art. 412 do Código Civil).
Por outro lado, se a cláusula for entendida como uma garantia contratual, a obrigatoriedade do pagamento da multa não dependeria de culpa ou dolo da parte inadimplente. Além disso, as quantias envolvidas não estariam sujeitas à revisão pelo Poder Judiciário ou pelo Juízo Arbitral, e tampouco estariam limitadas ao montante da “obrigação principal”.
Precificação
Embora não haja um valor fixo ou legalmente estabelecido para as multas de break-up fee, a prática de mercado indica que costumam variar entre 1% e 10% do valor da transação. Um estudo da consultoria Dealogic, realizado antes da pandemia, apontou que a média nacional para as quantias fixadas em cláusulas de break-up fee foram de 8,2% (oito vírgula dois por cento)[1] em 2018, e de 7,14% (sete vírgula quatorze por cento) em 2020[2].
Validade e legalidade da cláusula de break-up fee diante dos deveres fiduciários da administração
A cláusula de break-up fee é amplamente reconhecida pelo CADE como forma de alocação de custos pelas partes, em razão de eventual insucesso da operação, conforme detalhado no Guia para a Análise da Consumação Prévia de Atos de Concentração Econômica.
Tal circunstância, inclusive, já foi objeto de incidência prática em 2018, quando o CADE vetou a compra da Liquigás, detida pela Petrobrás, pela Ultragaz, por atos de concentração econômica e, consequentemente, a Ultragaz teve que pagar uma break-up fee na ordem de R$280 milhões à Petrobrás (10% do valor da operação)[3].
Ao negociar uma cláusula de break-up fee, os administradores devem observar os deveres fiduciários de agir no interesse da companhia (artigo 154, caput, da Lei nº 6.404/1976) e o dever de lealdade (artigo 155, caput, da Lei nº 6.404/1976), sobretudo diante de possíveis questionamentos que podem surgir envolvendo (i) aceitação de uma multa de alto valor; (ii) exclusividade com o finder; e (iii) possível restrição à liberdade dos acionistas de deliberarem sobre a operação em assembleia geral, tendo em vista a previsão de multa por desistência.
Na aquisição da Linx pela Stone, avaliada em R$ 6 bilhões, foram previstas multas para ambas as partes: (i) uma multa para a Linx em caso de desistência, com o objetivo de afastar outros potenciais interessados (como a Totvs); e (ii) uma multa para a Stone, caso a operação fosse vetada pelo CADE.
Apesar de a Comissão de Valores Mobiliários - CVM não ter entrado no mérito a respeito da validade da cláusula, em pedido de interrupção do prazo de convocação da AGE de Linx S.A. (Processo CVM nº 19957.007854/2020-06[4]), a autarquia apresentou argumentos favoráveis à cláusula de break-up fee, destacando a autonomia das partes para fixar o valor da multa como cláusula penal, desde que respeitados os limites legais. Neste caso, a CVM estabeleceu que a análise a ser feita pela administração das companhias envolvidas, inclusive para fins de eventual aceitação da proposta concorrente a ensejar na aplicação de multa, deve se dar a partir da perspectiva do business judgment rule, ou seja, tomada de forma refletida, informada e desinteressada.
Considerações finais
A cláusula de break-up fee pode desempenhar um papel estratégico em contratos de M&A, funcionando como um mecanismo de proteção financeira e incentivo à seriedade das partes envolvidas. Ao ser estruturada de forma adequada e em conformidade com o contexto e o ambiente regulatório, a cláusula pode ser uma ferramenta eficaz para assegurar o compromisso das partes e minimizar os impactos financeiros em caso de desistência.
[1] Disponível em https://valor.globo.com/financas/noticia/2018/03/20/adocao-de-taxa-de-insucesso-cresce-em-aquisicoesno-brasil.ghtml. Acesso em 17.jun.2024.
[2] Valor.Globo, 2020, online apud ADAMEK, 2022.
[3] Disponível em https://valor.globo.com/financas/noticia/2018/03/20/adocao-de-taxa-de-insucesso-cresce-em-aquisicoesno-brasil.ghtml. Acesso em 17.jun.2024.
[4] Disponível em https://conteudo.cvm.gov.br/export/sites/cvm/decisoes/anexos/2020/20201113/1977_20.pdf. Acesso em 17.jun.2024
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A série M&A em Foco tem fins meramente informativos, não representando a opinião jurídica de Novotny Advogados sobre o tema.
Nas operações de fusões e aquisições (M&A), a negociação dos termos do contrato entre as partes é um aspecto crucial, determinando a viabilidade e o sucesso do negócio.
Nesse contexto, uma das cláusulas comumente implementadas em contratos de M&A é a cláusula de limitação de responsabilidade. Essa cláusula define limites de responsabilização e de indenizações devidas em decorrência de determinados eventos no contexto de uma transação, permitindo maior previsibilidade às partes envolvidas na negociação. Em certas operações, é usada para estabelecer limites à responsabilidade da parte vendedora por problemas envolvendo a empresa-alvo, que venham a ser descobertos pelo comprador após a consumação da operação.
Se bem estruturada, essa cláusula possibilita uma eficiente alocação dos riscos envolvidos na operação da empresa-alvo, sobretudo em relação a eventos futuros, mas que tenham origem em fatos do passado, considerando a precificação da empresa-alvo, a investigação (due diligence) feita pelo comprador e os riscos que ele está disposto a assumir em função dessa precificação.
A negociação dessa cláusula requer uma análise cuidadosa do contexto e aspectos da transação pretendida, a fim de equilibrar os interesses das partes e garantir a conformidade com a legislação aplicável. Com uma compreensão clara dos seus componentes e finalidades, a cláusula de limitação de responsabilidade pode ser construída para melhor compor os objetivos das partes, facilitando a realização de uma transação bem-sucedida.
Principais Efeitos da Cláusula de Limitação de Responsabilidade
Principais Componentes da Cláusula de Limitação de Responsabilidade
Considerações sobre a Cláusula de Limitação de Responsabilidade
Principais Mecanismos de Limitação Monetária
Para implementar limites monetários na responsabilização por perdas e danos em contratos de M&A, vendedores muitas vezes buscam negociar três mecanismos que limitam a sua exposição: o Basket, o De Minimis e o Cap.
Cada mecanismo possui uma finalidade específica, como será demonstrado a seguir, podendo ser utilizados individualmente ou de forma integrada nos contratos de M&A. Por não serem excludentes ou conflitantes entre si, podem se complementar, construindo uma limitação personalizada para cada transação, sobretudo levando-se em consideração os resultados da due diligence e as contingências mapeadas.
Naturalmente, a eventual inclusão desses mecanismos no contrato deve estar alinhada com os riscos que o potencial comprador está disposto a assumir, em função do preço negociado. Com efeito, ao impor limites às obrigações de indenizar do vendedor, opera-se uma transferência de riscos para o comprador.
Basket - Valor Mínimo Acumulado de Perdas
Definição: Por meio do basket, estabelece-se um valor mínimo acumulado de perdas que deve ser alcançado, antes que o vendedor seja obrigado a indenizar o comprador. Existem dois tipos principais de basket:
Finalidade
Exemplo
Se o basket estabelecido for de 100 mil reais e as perdas acumuladas do comprador somarem 150 mil reais:
De Minimis – Valor Mínimo Por Reivindicação Individual
Definição: O de minimis estabelece um valor mínimo para cada reivindicação individual que deve ser alcançado, antes que tal reivindicação possa ser considerada para fins de indenização do comprador. Diferentemente do basket, que é um valor mínimo acumulado, o de minimis se aplica a cada reivindicação individualmente considerada. Caso, a depender do contexto, haja o risco de haver um grande volume de reinvindicações, o comprador poderá se opor à inclusão desta espécie de limitação monetária, já que, no acumulado, tais reinvindicações podem representar uma considerável despesa para o comprador, embora sejam individualmente insignificantes.
Finalidade:
Exemplo
Se o de minimis estabelecido pelas partes for de 5 mil reais, uma reivindicação de 4 mil reais não será considerada para fins de indenização do comprador, enquanto uma reivindicação de 6 mil reais deverá ser indenizada.
Caps – Limites Máximos de Indenizações Devidas
Definição: O cap estabelece um limite máximo total de responsabilidade do vendedor em relação às indenizações devidas ao comprador. Este limite pode ser uma porcentagem do valor total da transação ou um valor fixo acordado entre as partes. É possível – e, em muitos casos, comum – que haja mais de um cap, a depender do tipo de perda (por exemplo, um cap maior para problemas ligados à titularidade das ações objeto da operação e a contingências fiscais; e outro cap menor para litígios com consumidores).
Finalidade:
Exemplo
Se o cap para, digamos, eventuais danos decorrentes de reclamações trabalhistas for 1 milhão de reais, mesmo que as perdas ocasionadas à empresa por seus credores trabalhistas excedam esse valor, o vendedor não será responsável por mais de 1 milhão de reais a título de indenização ao comprador.
Equilíbrio de Interesses: Fundamento para uma Transação Bem-sucedida
Ao examinar as cláusulas de limitação de responsabilidade em operações de M&A, é essencial reconhecer que cada aspecto dessas cláusulas afeta diretamente os interesses e a posição tanto do vendedor quanto do comprador. Enquanto, de modo geral, essas cláusulas oferecem proteção financeira ao vendedor, é crucial lembrar que, do outro lado, elas limitam a capacidade do comprador de buscar indenizações completas por perdas e danos que em geral tiveram origem quando a empresa ainda era gerida pelo vendedor.
Portanto, o processo de negociação dessas cláusulas deve ser conduzido com um entendimento claro dos interesses de ambas as partes e com o objetivo de alcançar um equilíbrio que seja justo e, diante do caso concreto, adequado para todos os envolvidos, sobretudo em função do preço negociado e da assunção de riscos atrelada a essa precificação. A busca por esse equilíbrio não se restringe apenas aos caps, mas abrange todos os componentes das cláusulas de limitação de responsabilidade, incluindo o basket, o de minimis e outros mecanismos. Em muitos cenários, buscar esse equilíbrio pode conduzir as partes à decisão negociada de até mesmo não incluir uma cláusula de limitação de responsabilidade no contrato.
Além disso, é importante destacar que as cláusulas de limitação de responsabilidade são altamente personalizáveis e flexíveis, podendo ser adaptadas e ajustadas para se adequarem aos diferentes cenários e requisitos específicos de cada transação de M&A. Essa capacidade de personalização não apenas demonstra a versatilidade dessas cláusulas, mas também ressalta a importância de uma abordagem colaborativa e adaptativa durante o processo de negociação. Ao permitir essa flexibilidade e garantir um equilíbrio adequado, não apenas se fortalece a confiança mútua entre as partes, mas também se estabelece uma base sólida para uma transação bem-sucedida.
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