(Publicado na edição nº 3.758 do informativo do Migalhas de 09 de dezembro de 2015)
por Daniel Ferreira da Ponte e Paulo Ferreira Chor
09.dez.2015
A Lei 13.129/15 incluiu na Lei de Arbitragem previsão expressa no sentido de que a “administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis” (vide art. 1º, § 1º, da Lei 9.307/96).
Portanto, com a entrada em vigor desse novo dispositivo legal, não há mais qualquer dúvida sobre a possibilidade de o Poder Público inserir cláusulas compromissórias em seus contratos, desde que o objeto da contratação seja revestido de caráter patrimonial disponível.
Sob essa perspectiva, nada impede a administração pública de, após o devido processo licitatório, ao contratar, por exemplo, a construção de uma estrada, pactuar com a empreiteira responsável pelas obras que qualquer litígio surgido entre as partes relacionado à contratação em apreço seja dirimido por arbitragem, a exemplo do que ocorre em contratos de empreitada firmados entre particulares.
Afinal, por mais que exista um interesse público por trás do contrato, consistente na construção da estrada, a definição do projeto a ser implementado e, consequentemente, do valor a ser gasto para tanto, desde que existente prévia dotação orçamentária, são aspectos cuja definição compete ao próprio Poder Público, que também dispõe de poderes para transigir com o particular a esse respeito.
É importante salientar, porém, que, apesar da contratação de cláusula compromissória, os contratos envolvendo o Poder Público também podem ser alvo de questionamento judicial por meio de ações civis públicas ou ações populares, sendo certo que os legitimados para a propositura de ditas ações não figuram como parte nos aludidos contratos, razão pela qual a cláusula arbitral não lhes seria, em princípio, oponível.
Nesse contexto, não se poderia descartar que questões submetidas a eventual arbitragem instaurada entre o Poder Público e particulares também viessem a ser discutidas em processos judiciais, mediante o ajuizamento de ações civis públicas ou ações populares.
O problema da existência de ações paralelas no Poder Judiciário versando sobre um mesmo contrato não é propriamente algo novo, havendo, inclusive, previsão no Código de Processo Civil no sentido de que tais ações podem ser reunidas perante o mesmo Juízo para julgamento conjunto, por força do instituto da conexão, com vistas a se evitar a prolação de sentenças de conteúdo conflitante.
Todavia, quando se cuida, de um lado, de processos judiciais, e, do outro lado, de processo arbitral, a reunião dos processos por conexão é impossível, na medida em que as partes que contrataram a cláusula compromissória não podem recorrer ao Poder Judiciário para dirimir seus conflitos, ao passo que, como antecipado acima, os terceiros não signatários da cláusula compromissória (como os legitimados para a propositura de ações civis públicas e ações populares) somente podem ingressar com demandas perante o Poder Judiciário.
Em síntese, pois, mesmo nas hipóteses em que as matérias discutidas em arbitragens e ações judiciais possuam pontos de interseção, não há, atualmente, qualquer regra que obrigue a suspensão daquelas ou destas pelos árbitros e juízes, respectivamente.
Nesse sentido, quando se verificar que uma questão de direito indisponível tratada em ação civil pública ou ação popular representa assunto prejudicial ao exame do mérito da arbitragem, competirá aos árbitros decidir sobre o prosseguimento ou a eventual suspensão do processo arbitral.
Já a partir de março de 2016, quando o Novo Código de Processo Civil entrará em vigor, caso reputada pertinente a questão prejudicial que envolva direito indisponível – caberá aos árbitros suspender o processo arbitral até que a controvérsia existente seja decidida pelo Poder Judiciário.
Isso porque, pela sistemática estabelecida no Novo Código de Processo Civil, as prejudiciais apreciadas “expressa e incidentemente no processo” passarão a fazer coisa julgada, nos termos do seu art. 503, não sendo dado aos árbitros decidir, de forma definitiva, assuntos que versem sobre direitos indisponíveis[1].
Fora essa situação, ficará a cargo (i) dos árbitros e juízes buscar alternativas para que o risco de decisões conflitantes entre os processos arbitrais e judiciais seja mitigado; ou, sucessivamente, (ii) da jurisprudência definir critérios objetivos para a produção de efeitos de sentenças arbitrais e judiciais que possuam pontos de conflito, quando envolvam temas de interesse da administração pública direta ou indireta.
A adoção dessas providências, aliada à recente positivação do já consagrado entendimento de que a administração pública direta e indireta pode, sim, se submeter a arbitragem, permitirá que o mencionado método alternativo de resolução de disputas se desenvolva ainda mais neste tocante, passando a ser utilizado com mais frequência.
1. “Art. 503. A decisão que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida.
§ 1o O disposto no caput aplica-se à resolução de questão prejudicial, decidida expressa e incidentemente no processo, se:
I - dessa resolução depender o julgamento do mérito;
II - a seu respeito tiver havido contraditório prévio e efetivo, não se aplicando no caso de revelia;
III - o juízo tiver competência em razão da matéria e da pessoa para resolvê-la como questão principal.
§ 2o A hipótese do § 1o não se aplica se no processo houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da questão prejudicial.”
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