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Preço Contingente em Operações de Fusões e Aquisições (M&A): A Cláusula de Earn-Out

Preço Contingente em Operações de Fusões e Aquisições (M&A): A Cláusula de Earn-Out

Preço Contingente em Operações de Fusões e Aquisições (M&A): A Cláusula de Earn-Out

07.dez.2017

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Assimetria de informações e incerteza quanto ao futuro - 3. Vantagens e desvantagens do earn-out - 4. Natureza da cláusula de earn-out - 5. Estruturação do earn-out - 6. Earn-out em operações de M&A envolvendo a subscrição de ações - 7. Administração da companhia durante o período de earn-out - 8. Outras situações de earn-out: compra de participação minoritária na companhia alvo, e a alienação de controle de companhia aberta - 9. Considerações finais

1. Introdução

Um aspecto central da negociação de operações de fusões e aquisições (M&A) é o preço das ações da companhia alvo[1]. Na maioria dos casos, a negociação e a definição do preço são concluídas na celebração do contrato de compra e venda de ações e esse valor é pago no fechamento da operação, quando o comprador torna-se proprietário das ações em caráter definitivo, passando a controlar a companhia. Já o vendedor das ações, tendo embolsado o preço, sai de cena, deixando de ter influência ou envolvimento nos rumos da companhia, ainda que possa permanecer responsável por indenizar o comprador caso certos passivos venham a se materializar ou na hipótese de quebra de declarações e garantias prestadas no contrato de compra e venda. À exceção desses casos, se a companhia adquirida apresentar resultados pífios nos anos subsequentes ou não atingir metas dadas como certas, o problema é do comprador.

Nem sempre, porém, ocorre assim. Em muitas situações, principalmente nos casos em que a companhia se encontra em fase de expansão ou crescimento, ou não tem um histórico comprovado de sucesso, o potencial vendedor e o potencial comprador podem não conseguir chegar a um acordo quanto à avaliação da companhia e, portanto, quanto ao preço de suas ações. Essa dificuldade também ocorre quando o vendedor atribui boa parte do preço a determinado evento futuro que, conquanto venha a ser altamente benéfico para a companhia, ainda é incerto (como, por exemplo, uma empresa de engenharia que tem chances altas de vencer uma licitação para um grande projeto; ou companhia da indústria farmacêutica que espera o registro de patente para iniciar a comercialização de um novo medicamento).

De um lado, o vendedor acredita no contínuo desenvolvimento de seu negócio e precifica as ações a serem vendidas levando em conta uma crescente rentabilidade futura ou tendo certeza quanto à ocorrência de eventos que aumentarão o valor da companhia. Do outro, o comprador avalia a companhia alvo com base no seu histórico recente e atribui uma probabilidade menor quanto ao seu crescimento ou à ocorrência desses eventos. O vendedor só está interessado em vender a companhia alvo pelo preço mais elevado. O comprador, por sua vez, até estaria disposto a pagar esse preço se tivesse certeza do valor mais elevado atribuído pelo vendedor à companhia, mas, como ainda não tem dados suficientes para confirmar essa avaliação mais positiva, oferece comprá-la por um preço mais baixo. O vendedor otimista e o comprador cauteloso chegam a um impasse.

A cláusula de earn-out ou de preço contingente é justamente o mecanismo empregado para resolver impasses dessa natureza e viabilizar operações de M&A. Por meio da cláusula de earn-out, o comprador – já tendo pago, no fechamento da operação, um preço pela companhia alvo que reflete uma avaliação mais conservadora – se obriga a pagar um preço adicional, correspondente à sua avaliação mais otimista, sujeito ao cumprimento de condição futura dentro de certo período, vinculada a metas de desempenho da companhia ou à ocorrência de eventos que maximizem o seu valor.

A cláusula de earn-out constitui assim um meio-termo entre a posição mais panglossiana do vendedor e aquela mais precavida do comprador. Se o vendedor acredita que a companhia vale mais porque aposta na concretização de certas metas financeiras ou de outra natureza, então que concorde em receber o preço mais elevado apenas quando tal prognóstico se realizar. E se o comprador concorda que, uma vez atingidas tais metas, o valor da companhia aumentará, então que concorde em pagar um preço adicional caso as metas venham a se materializar.

O earn-out protege tanto o comprador que não quer pagar demais pela companhia quanto o vendedor que não quer receber de menos. Promove, assim, uma alocação eficiente de riscos baseada nas perspectivas de cada parte da operação. Mas, se à primeira vista constitui uma solução simples e elegante para superar o hiato na avaliação da companhia alvo, olhando mais de perto traz bastante complexidade para a operação de M&A e pode se tornar uma grande fonte de disputas futuras entre comprador e vendedor, especialmente se não for bem estruturado.

2. Assimetria de informações e incerteza quanto ao futuro

A literatura acadêmica norte-americana tradicionalmente aponta que o impasse entre comprador e vendedor quanto ao valor da companhia alvo decorre essencialmente de um problema de seleção adversa e de assimetria de informações.[2]

Embora uma auditoria (due diligence) bem feita das companhias alvo possa diminuir a assimetria de informações entre compradores e vendedores, em princípio estes últimos continuarão a ter mais informações sobre seus ativos do que os primeiros. Segundo essa explicação, potenciais compradores têm o receio de que potenciais vendedores coloquem à venda apenas companhias de qualidade inferior, no que é comumente conhecido por “market for lemons”[3], guardando para si os ativos de maior qualidade. Para se proteger desse fenômeno, potenciais compradores passam então a oferecer preços mais baixos para a compra do ativo. Colocado de outra forma, por conta dessa assimetria de informações, potenciais compradores atribuem um desconto a todas as companhias postas à venda no mercado, sejam elas de qualidade inferior ou superior. Conforme explica Darian Ibrahim:

“A ‘lemons market’ is a market in which asymmetric information exists between sellers and buyers. Since the buyers are not fully informed as to the quality of the products, they discount the price of all products. High quality products will not sell for a price that reflects their quality and will, thus, exit the market. Only ‘lemons’ are left in the market”[4]

Nesse mercado, vendedores de ativos de qualidade superior terão dificuldade de convencer potenciais compradores do valor real da companhia que querem alienar. Em operações de M&A, a cláusula de earn-out seria justamente o mecanismo pelo qual vendedores sinalizam para o mercado a qualidade superior dos seus ativos[5]. Na medida em que o vendedor concorda em receber parte do preço após o fechamento da operação, quando o comprador puder ter a comprovação da consistência das declarações pré-contratuais a respeito da qualidade da companhia, o vendedor consegue de forma confiável transmitir a mensagem de que o seu ativo é de qualidade superior.

Por essa visão, o mecanismo do earn-out não seria proveitoso para um vendedor de ativo de qualidade inferior, já que, nesse caso, a companhia não teria como atingir as metas financeiras ou empresariais pré-estabelecidas, e não haveria preço adicional a ser pago. O earn-out seria, assim, um meio de separar os vendedores de ativos de qualidade inferior daqueles de qualidade superior, e de permitir que estes recebam um preço justo por seus ativos.

Estudos mais recentes[6], entretanto, demonstram que, na verdade – como, aliás, parece ser a visão daqueles que atuam diretamente em operações de M&A – o earn-out serve mais para lidar com as diferentes expectativas das partes quanto à performance da companhia ou à ocorrência de certos eventos após o fechamento da operação. Constitui um mecanismo para lidar com a incerteza. Modula e uniformiza as expectativas divergentes das partes quanto ao futuro, viabilizando a operação de M&A. Como conclui Brian J. M. Quinn:

“By creating uniform expectations with respect to any one of a number of uncertainties, the earnout mechanism permits parties to normalize their joint expectations about the future and thus agree on a pricing formula for the seller where, in the absence of uniform joint expectation, parties might not be able to reach agreement.”[7]

Não se nega, porém, que, dependendo do contexto em que é empregado, o earn-out pode também desempenhar outras funções, como, por exemplo, o de retenção do vendedor na companhia e incentivo para o seu bom desempenho.


3. Vantagens e desvantagens do earn-out


De modo geral, a grande vantagem do earn-out, como já apontado, é a de servir de saída para o impasse entre o vendedor e o comprador a respeito do preço justo da companhia alvo. Conforme sintetiza Joseph Bartlett, “earn-outs essentially allow parties to agree to disagree”. [8]

Do ponto de vista do vendedor, o earn-out pode contribuir para que ele receba um preço total pela venda da companhia alvo maior do que receberia caso não houvesse uma cláusula de preço contingente. Ao concordar que parte do preço seja condicional, o vendedor transmite ao comprador confiança na companhia e nos seus resultados vindouros, dando conforto para que o comprador prossiga com a operação. Caso a economia esteja passando por um ciclo recessivo, causando uma diminuição generalizada do preço dos ativos, o vendedor pode tentar usar o earn-out para receber um preço total mais próximo do que corresponderia a uma avaliação da companhia durante uma fase normal da economia. No mais, o earn-out em geral permite ao vendedor diferir o pagamento de tributos incidentes sobre o ganho com a venda.

O earn-out também traz várias vantagens para o comprador. Por esse mecanismo, o comprador somente pagará um preço mais alto caso as metas que o justificam venham a se materializar. Consequentemente, o comprador não assume o risco da não ocorrência de tais metas. O earn-out em muitos casos também viabiliza a compra da companhia quando o comprador não dispõe de início de todos os recursos para tanto; nessa hipótese ele pode até financiar uma parte ou todo o pagamento do preço adicional com os lucros obtidos com a companhia alvo.

O earn-out também pode servir como instrumento de retenção e incentivo ao vendedor, para que ele continue a atuar na administração na companhia, se empenhando em manter a sua performance na fase de transição e adaptação do novo controlador, inclusive mitigando o risco de moral hazard.[9]

Apesar de todas essas vantagens, a cláusula de earn-out, como já destacado, aumenta o grau de complexidade da operação de M&A e pode se tornar um grande foco de disputa entre comprador e vendedor.

Pode-se argumentar que, em certa medida, o earn-out traz um alinhamento de interesses entre as partes: se as metas forem atingidas, a companhia passa a valer mais (ou fica comprovado que já valia mais). Sob essa perspectiva, tanto o vendedor quanto o comprador teriam um incentivo para cooperar para que as metas sejam cumpridas, em especial quando o vendedor continua a ter uma participação relevante na companhia. Na prática, todavia, nem sempre funciona assim, principalmente dependendo das métricas adotadas e caso o vendedor tenha vendido toda ou quase toda a sua participação.

Com efeito, para o comprador pode ser mais vantajoso retardar o atingimento das metas avençadas e não pagar o earn-out. Por sua vez, o vendedor que continue a ter ingerência na gestão pode, em atitude oportunista, tomar medidas que acelerem o atingimento das metas do earn-out, mas que não sejam do melhor interesse da companhia no longo prazo. Mesmo um comprador bem intencionado pode querer impor à companhia medidas que, ao menos no curto prazo, terão um impacto negativo em seu desempenho, frustrando a concretização das metas do earn-out. Há muitas possibilidades de divergências e conflitos entre as partes, o que pode ser ainda mais desvantajoso para o vendedor, que em geral terá que mover uma ação contra o comprador para receber o earn-out.

A cláusula também pode retardar a integração da companhia adquirida ao grupo empresarial do novo controlador, à medida em que este tenha que fazer concessões ao vendedor para que ele possa continuar a ter voz na administração da companhia durante o período de earn-out.


4. Natureza da cláusula de earn-out


Como veremos nos itens seguintes, as partes são livres para estruturar a cláusula de earn-out da forma que lhes convier, podendo, inclusive, atrelá-la a diferentes negócios jurídicos. A natureza da cláusula de earn-out dependerá, pois, da forma como foi estruturada.

Sendo o earn-out estabelecido como um pagamento adicional condicional em contrapartida à venda de ações – como ocorre na maioria das operações de M&A no Brasil em que esse mecanismo é utilizado – terá, em geral, a natureza de preço, inclusive para fins fiscais. Corresponderá, pois, a uma parcela do preço.

Sob esse prisma, alguns autores enxergam no art. 487 do Código Civil uma base para o earn-out, na medida em que este dispositivo estabelece que é lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação[10]. Embora a cláusula de earn-out possa estar calcada neste dispositivo, notadamente quando o preço adicional tiver por base uma fórmula atrelada a índices ou parâmetros, o traço distintivo do earn-out é a sua sujeição a uma condição: o atingimento de metas.

Nesse sentido, o earn-out fundamenta-se em boa medida no art. 332 do Código Civil, que dispõe que as obrigações condicionais cumprem-se na data do implemento da condição. O preço adicional pela compra das ações da companhia somente será devido se as condições acordadas pelas partes na cláusula de earn-out se materializarem. Trata-se de condição suspensiva, nos termos do art. 127 do Código Civil, pela qual, enquanto a condição não se verificar, o vendedor não terá adquirido o direito de cobrar o pagamento adicional.

Assim sendo, o earn-out em geral constituirá um preço adicional sujeito a condição suspensiva. Por esse motivo, inclusive, o vendedor em geral não estará obrigado a recolher os tributos incidentes sobre o ganho obtido com o preço adicional no fechamento da operação, mas apenas, conforme o caso, quando o earn-out se tornar devido ou for pago, dependendo da aplicação do regime de competência ou de caixa.

O earn-out pode, entretanto, ser estruturado de outras formas, algumas das quais discutidas nos itens abaixo. Dependendo do negócio jurídico em que se basear, pode inclusive se aproximar mais a um pagamento por serviços prestados pelo vendedor em contrapartida à administração da companhia durante o prazo do earn-out.


5. Estruturação do earn-out


Não há propriamente um padrão de earn-out replicável à maioria das situações. A estrutura do earn-out, conforme observa Stefan Lourenço de Lima[11], dependerá das características individuais de cada negócio, bem como da capacidade financeira, apetite para tomada de riscos e outras particularidades das partes envolvidas. As cláusulas de earn-out podem trabalhar com diferentes gatilhos, métricas, metas e prazos, sendo inúmeras as estruturas de pagamento possíveis.

Como já assentado, em geral a cláusula de earn-out estabelece que o comprador será obrigado a pagar ao vendedor um preço adicional, atrelado à compra e venda de ações já consumada, caso determinadas metas sejam atingidas ou certos eventos venham a se realizar, dentro de determinado prazo, continuando o vendedor a ter algum envolvimento com a administração da companhia durante este prazo.

O earn-out também pode ser estruturado tendo por base não as ações objeto da compra e venda inicial, mas sim outro lote de ações que continue na propriedade do vendedor, seja por meio de uma promessa de compra e venda ou de uma opção. Na promessa de compra e venda, o comprador se compromete a adquirir um lote adicional de ações do vendedor, e este, por sua vez, se compromete a alienar tais ações, por um preço previamente acordado – mais elevado que o preço por ação original –, ficando a consumação sujeita à ocorrência das metas do earn-out. Por meio de uma opção, o comprador outorga ao vendedor opção de venda (put option) das ações adicionais, obrigando-se a comprá-las caso as metas do earn-out sejam cumpridas e o vendedor exerça a opção. Note-se que, nesta hipótese, a efetiva compra e venda das ações dependerá, após o implemento das condições, da iniciativa do vendedor em querer vender o segundo lote de ações (ou da iniciativa do comprador, caso o vendedor outorgue a este uma opção de compra espelho).

A cláusula de earn-out pode ainda ser invertida: o preço cheio é desde logo pago ao vendedor, que fica obrigado a devolver ao comprador parte desse valor se determinadas condições futuras não se concretizarem. Trata-se de cláusula conhecida por “reverse earn-out”, que é pouco utilizada.

Qualquer que seja a estrutura adotada, um ponto fundamental na negociação são as metas que serão adotadas para que o earn-out se torne devido. Essas metas são de livre escolha das partes e podem ser de natureza financeira (certo valor de faturamento bruto, EBITDA ou lucro líquido, dentre outras) ou não financeira (por exemplo, certo número de unidades vendidas), ou estarem vinculadas a eventos futuros (por exemplo, as hipóteses de vencimento de uma licitação ou registro de uma patente a que nos referimos no item 1, ou mesmo a celebração pela companhia de um contrato relevante ou obtenção de uma licença para construir um empreendimento, dentre outras possibilidades).

A escolha da meta estará atrelada à incerteza que deu origem ao earn-out e aos incentivos que se quer conferir ao vendedor. Ela precisa ser cuidadosamente ponderada, pois, ao estimular o vendedor a tomar medidas para atingir a métrica acordada, pode trazer efeitos colaterais indesejados em relação a outros indicadores.

Exemplificativamente, caso o earn-out tenha sido acordado por conta da incerteza quanto às vendas futuras do produto fabricado pela companhia, a meta de faturamento bruto ou de venda de mercadorias pode ser uma alternativa. Mas nesse caso o comprador precisará se preocupar com as despesas que poderão ser incorridas pelo vendedor. Caso contrário, o vendedor poderá ser levado a aumentar excessivamente os gastos com marketing, logrando, por um lado, aumentar o faturamento bruto ou as vendas, mas, por outro, diminuindo a lucratividade da companhia.

O EBITDA costuma ser uma métrica bastante utilizada quando o earn-out é adotado por conta do desempenho geral da companhia. Como o EBITDA mede o lucro da companhia antes dos juros, impostos, depreciação e amortização, leva em conta o desempenho operacional da companhia como um todo, incentivando o vendedor a não elevar as despesas da companhia desnecessariamente. Caso a administração seja compartilhada, o vendedor precisará tomar cuidado para que os administradores nomeados pelo comprador não elevem além de limites razoáveis despesas que possam beneficiar a companhia no longo prazo, mas que reduzirão a sua margem de EBITDA no período pós-fechamento.

Em suma, é recomendável que as métricas para o cálculo do earn-out estejam bem delimitadas e, se possível, antecipem eventuais conflitos que possam surgir entre as partes no dia-a-dia da gestão da companhia. Pode-se inclusive vincular o pagamento do earn-out a objetivos financeiros restritos a determinada área de atuação da companhia. No item 7 abaixo tratamos das questões envolvidas com a administração da companhia durante o período do earn-out.

Não basta, porém, definir a métrica; será preciso igualmente estipular como que a métrica será apurado e, eventualmente, um método para resolver divergências entre as partes. Um procedimento comum é uma das partes preparar sua memória de cálculo e apresentá-la a outra parte, que terá o direito de contestá-la. Não havendo entendimento entre as partes, a decisão final sobre o cálculo fica a cargo de um auditor independente. Outras variações desse procedimento são possíveis.

Nos casos em que o earn-out é associado à ocorrência de eventos futuros, aconselha-se que tais eventos sejam objetivos e possam ser confirmados por terceiros, de modo a evitar conflitos a respeito da ocorrência ou não da condição.

O pagamento do earn-out pode ser estruturado com base na lógica do “tudo ou nada”, por meio de parcelas atreladas a metas variadas, ou de forma proporcional. Dentro da lógica do “tudo ou nada”, caso a meta seja atingida o vendedor fará jus a todo o earn-out; do contrário, não se atingindo a meta, nenhum preço adicional será devido. Em vez de estabelecer uma única meta e um único pagamento adicional, as partes podem optar por estabelecer várias metas intermediárias, tendo o vendedor direito a receber uma parcela do earn-out a cada uma das metas atingidas. O pagamento do earn-out também pode se dar proporcionalmente ao percentual atingido da meta, prevendo-se, por exemplo, que, se apenas uma parte da meta for alcançada, o vendedor terá direito a receber fração equivalente do valor total do earn-out, ou, alternativamente, que o preço adicional será calculado a partir de um múltiplo de um indicador, eventualmente sujeito a um valor máximo (teto).

Outro elemento essencial é o período do earn-out, ou seja, qual o prazo para que as metas sejam atingidas e o vendedor tenha direito ao earn-out. O prazo naturalmente dependerá das metas adotadas, do incentivo que se quer conferir ao vendedor e das expectativas das partes. Em geral, períodos de earn-out costumam variar de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, mas prazos menores ou mais longos também são utilizados.

A obrigação do comprador de pagar o earn-out normalmente não é objeto de uma garantia. Entretanto, como pode haver o decurso de alguns anos entre a data de compra da companhia e do pagamento do earn-out, é possível, em determinadas circunstâncias, que o vendedor queira se prevenir do risco de que o comprador venha a se tornar insolvente no futuro[12]. O vendedor pode, nessas situações, tentar negociar alguma garantia ou mesmo o depósito antecipado do earn-out em uma escrow account.

De qualquer modo, é recomendável prever as penalidades por atraso no pagamento do earn-out. No mais, fazendo parte do preço devido pela compra das ações, diante do inadimplemento do comprador no pagamento do earn-out, o vendedor poderia, nos termos do art. 475 do Código Civil, ao menos em tese, escolher entre exigir o pagamento do earn-out ou pedir a resolução do contrato de compra e venda e retomar a propriedade das ações vendidas[13], dependendo, é claro, do contexto e levando em conta eventual restrição a esse direito fundada na teoria do adimplemento substancial.

Ao vendedor também interessará regular a eventual atualização monetária do valor do earn-out, sobretudo se o período de earn-out for longo. Nessa linha, poderão as partes optar por um índice que apenas reflita a inflação (IGP-M, IPCA, etc.) ou um que embuta juros (por exemplo, CDI). Obviamente a escolha de um índice apenas inflacionário ou com juros estará atrelado às expectativas das partes e aos vários outros elementos a partir dos quais o earn-out foi estruturado.


6. Earn-out em operações de M&A envolvendo a subscrição de ações


As operações de M&A podem ser estruturadas sob a forma de subscrição de ações, em que o comprador ingressa na companhia adquirindo ações emitidas em aumento de capital, ou mediante a combinação de uma subscrição com a compra e venda de ações. Quando há subscrição de ações, os recursos pagos em contrapartida à aquisição das ações vão para a própria companhia. Trata-se de operação muito utilizada quando a companhia alvo precisa de recursos para se expandir.

É o caso, por exemplo, de uma startup que desenvolve uma ideia inovadora, mas não possui recursos suficientes para executá-la. Passa então a buscar um sócio investidor que acredite no potencial do negócio e queira investir na companhia. Uma vez encontrado tal sócio, o fundador delibera aumentar o capital social da companhia e o novo sócio subscreve as ações emitidas no aumento.

Nessas operações de M&A, podem surgir as mesmas questões envolvendo a precificação da companhia diante de seu desempenho e da ocorrência de certos eventos incertos no futuro. E o earn-out pode igualmente ser uma solução para eventual impasse quanto ao valor a ser pago pelas ações.

Naturalmente, é possível estruturar o earn-out juntando uma subscrição inicial de ações com a compra futura de ações remanescentes do acionista original, seja por meio de uma promessa de compra e venda ou por opções, conforme examinado no item anterior.

A cláusula de earn-out também pode prever que, caso as condições futuras que dariam fundamento a um valor mais alto para a companhia se materializem, os acionistas estarão obrigados a aprovar um novo aumento de capital por um preço mais elevado do que aquele estabelecido no primeiro aumento, e o adquirente/subscritor estará obrigado a subscrever e integralizar as novas ações por este preço superior. Lembre-se que, de acordo com o § 1º do art. 170 da Lei no. 6.404/64 (Lei das Sociedades Anônimas ou simplesmente “LSA”), o preço de emissão das ações da companhia em um aumento de capital deverá ser fixado, sem diluição injustificada da participação dos antigos acionistas, tendo em vista, alternativa ou conjuntamente, (i) a perspectiva de rentabilidade da companhia, (ii) o valor do patrimônio líquido da ação, e (iii) a cotação das ações em bolsa de valores ou mercado de balcão organizado (admitido ágio ou deságio em função das condições do mercado). Vale notar que eventuais divergências entre o potencial adquirente das novas ações e os atuais acionistas da companhia quanto à precificação das ações de modo geral estarão centrados justamente na perspectiva de rentabilidade da companhia. A ocorrência das metas do earn-out que possam confirmar uma melhora na perspectiva de rentabilidade da companhia justificariam a emissão de ações, em um segundo aumento de capital, por um preço mais elevado.

De qualquer modo, nas duas soluções descritas acima o pagamento do earn-out impõe um aumento na participação do adquirente na companhia investida. No primeiro caso ele compra ações do acionista original; no segundo, subscreve novas ações.

Mas poderia o earn-out ser estruturado no âmbito da própria subscrição de ações, de modo que o pagamento adicional condicional seja revertido em favor da companhia, sem que isso altere a participação do adquirente na companhia, tal como geralmente ocorre em earn-outs atrelados à compra e venda de ações? Não há dúvidas de que se pode estabelecer que o preço de emissão de ações será pago em prestações – a LSA é muito clara a esse respeito[14] –, mas podem uma ou mais prestações serem contingentes?

Uma possível dificuldade em estruturar o earn-out em operações de subscrição de ações decorre do fato de que o preço de emissão das ações não afeta somente a companhia, seus acionistas e os eventuais subscritores das ações, mas também os credores da companhia. Com efeito, o preço de emissão de ações será usado para formar o capital social, que, como leciona Alfredo Lamy Filho, está submetido a “regime cogente”, cujo fim é “proteger os credores sociais”[15].

Constitui o capital social – em sentido amplo, frise-se – uma garantia dos credores[16].  Além de sinalizar para os credores da companhia o valor que foi ou terá que ser aportado na companhia, cumpre a função de cifra de retenção, indicando a parcela do patrimônio que não pode ser distribuída pela companhia aos seus acionistas, exceto em hipóteses restritas[17]. O capital social assenta-se, assim, nos princípios da realidade e da intangibilidade, dentre outros apontados pela doutrina. Pelo princípio da realidade, o capital social estabelecido no estatuto deve efetivamente existir no ativo da companhia, a partir das contribuições dos acionistas. O princípio da intangibilidade do capital social, por sua vez, reflete-se nas várias proteções contidas na LSA para que as prestações a que os acionistas se comprometeram a contribuir sejam irrevogáveis e que o fundo formado com tais prestações permaneça inatingível enquanto a companhia subsistir, ou que só possa ser devolvido aos acionistas nas hipóteses circunscritas em lei.[18] Também dentro dessa lógica, a LSA contém diversos dispositivos que tratam do acionista em mora, com o fim de viabilizar a integralização das ações subscritas.

Nesse contexto, a assembleia geral não poderia aumentar o capital social da companhia e determinar que a formação de parte do capital social estaria atrelada ao cumprimento de metas ou à ocorrência de certos eventos futuros, tornando essa parte do capital contingente. Tal arranjo constituiria uma afronta aos princípios da realidade e da intangibilidade do capital social.

Nem todo o preço de emissão de uma ação, contudo, precisa ser destinado à formação do capital social. Conforme estabelece o art. 182, § 2º, “a”, da LSA, será classificada como reserva de capital a contribuição do subscritor de ações que ultrapassar o valor nominal e a parte do preço de emissão das ações sem valor nominal que ultrapassar a importância destinada à formação do capital social. O preço de emissão de ações, pois, pode ser constituído por duas partes: uma que será usada para formar o capital social, e outra destinada à formação de uma reserva de capital, conhecida como ágio.

Desse modo,  entendemos que, nos casos em que há um novo subscritor ingressando na companhia, como ocorre em operações de M&A, é possível estabelecer que as ações serão emitidas com ágio e que tal ágio será contingente, atrelado à ocorrência de certos eventos futuros e incertos.

A assembleia geral que aprovar o aumento de capital e o seu preço de emissão, parte do qual condicionado à ocorrência de eventos futuros deve regular de forma minuciosa as condições em que o earn-out, sob a forma de ágio, será devido, devendo tais condições estar igualmente refletidas no boletim de subscrição. Tal regramento, nesse caso, é importante não só para evitar disputas entre, de um lado, o subscritor e, de outro, a companhia e seus demais acionistas, mas também para dar conhecimento do preço contingente aos credores sociais e ajustar as suas expectativas. É preciso deixar claro para os credores que a parte do preço de emissão das ações correspondente ao ágio somente será devida pelo subscritor e, portanto, somente formará a reserva de capital se e quando as condições estabelecidas na assembleia e refletidas no boletim de subscrição vierem a ocorrer. Nesse caso, não há quebra do princípio da intangibilidade ou da realidade do capital social. Essa estrutura de earn-out está em linha com o que dispõe o art. 106 da LSA, o qual prevê que o acionista é obrigado a realizar a prestação correspondente às ações subscritas ou adquiridas “nas condições previstas no estatuto ou boletim”.

 7. Administração da companhia durante o período de earn-out

 A não ser que a ocorrência do evento gerador do earn-out esteja totalmente fora do poder de influência do vendedor, é provável que ele queira continuar a ter alguma ingerência na administração da companhia durante o período do earn-out, para garantir o atingimento das metas acordadas. O comprador, por outro lado, já tendo adquirido o controle da companhia, também vai querer exercer seu poder decisório, de modo que possa implementar mudanças na condução dos negócios da sociedade ou começar a integrá-la ao seu grupo empresarial. Na arguta observação de James Freund, “the question of who is going to run the show remains one of the most insoluble problems in the acquisition area”[19]. Idealmente a cláusula de earn-out precisa encontrar um ponto de equilíbrio entre as pretensões do vendedor e do comprador para gerir a companhia. Trata-se de questão delicada, que deve ser bem regulada no contrato, para tentar evitar potenciais conflitos.

Como já levantado, a permanência do vendedor na companhia após o fechamento pode trazer vantagens para o comprador. A cláusula de earn-out pode funcionar como estímulo ao vendedor e à atual administração em manter o mesmo comportamento diligente anterior à operação e se esforçar em atingir as metas nas quais o preço contingente se baseia. Mesmo nos casos em que o vendedor se desfaz de todas as suas ações, o earn-out pode ser usado como incentivo, atrelado a um período de adaptação e hand over, durante o qual o vendedor continua a administrar a companhia e auxilia o comprador e a nova administração a se ambientar com as suas operações. Essa medida, entretanto, pode dificultar a integração da companhia com o grupo empresarial do comprador e ser uma fonte de atrito durante o período de earn-out.

Nesse contexto, interessará ao vendedor delimitar o seu espaço de atuação e barrar possíveis interferências do comprador. Já o comprador precisa ter mecanismos para evitar que o vendedor tome medidas oportunistas para atingir as metas do earn-out, mas que possam ter um efeito deletério no longo prazo. Alguns exemplos dessa questão são discutidos no item 5 acima. De qualquer modo, a administração compartilhada entre comprador e vendedor torna a governança da companhia muito complicada.

Um solução clássica para balizar as medidas que podem ser tomadas pelo vendedor e pelo comprador é estabelecer que a companhia será administrada no curso normal de seus negócios. Tal critério, no entanto, pode não ser suficiente para evitar conflitos. Segundo sugere Freund, a melhor forma de solucionar potenciais conflitos seria a escolha, pelo vendedor, dos pontos da administração que, segundo seu critério, serão relevantes para influenciar o resultado do earn-out[20]. Destacadas essas áreas de atuação, o vendedor poderá propor que o comprador se comprometa a adotar determinados comportamentos somente com relação aos setores delimitados, o que torna o contrato mais eficiente nesse aspecto e evita discussões por hipóteses genéricas do que constituiria o curso normal dos negócios. Por exemplo, se o vendedor entende que determinado número de funcionários é importante para o desempenho da companhia ou que é necessário manter certo valor de capital de giro, poderá negociar a inclusão de salvaguardas no contrato para prevenir que o comprador possa diminuir o seu número de funcionários ou reduzir seu capital de giro.

É preciso também atentar para o fato de que restringir a atuação da companhia ao seu curso normal de negócios pode impedi-la de aproveitar oportunidades que apareçam durante o período de earn-out. A solução proposta por Freund para mais esse impasse envolve a exclusão de determinadas operações do cálculo do earn-out:

“One mode of solving this type of problem is to reach a compromise along the following lines. Seller cannot ask purchaser to refrain from expanding the business or trying out a new territory or product, but he can insist on a provision to the effect that any such expansion to which seller does not consent in advance will not affect the earnout”.[21]

Nos casos em que é acordado que o vendedor não terá qualquer participação na gestão da companhia, é provável que ele queira que o comprador assuma a obrigação de usar seus melhores esforços para tentar atingir as metas do earn-out.

Qualquer que seja o arranjo acordado e mesmo que essa questão não venha a ser regulada no contrato, a atuação das partes deverá ser pautada pela boa-fé objetiva, em consonância com o art. 422 do Código Civil. Requer-se que as partes adotem, durante todo o período de earn-out, um comportamento leal.

Um ponto sensível na negociação da cláusula de earn-out é se o comprador poderá afastar o vendedor da administração da companhia. Uma solução que à primeira vista parece ser a mais razoável é a de permitir o afastamento do vendedor por justa causa, pressupondo que as partes conseguirão chegar a um acordo sobre o que será considerado justa causa. Será necessário definir o que acontece com o earn-out nesses casos: caso parte da meta do earn-out já tenha sido atingida, o vendedor desligado por justa causa fará jus a algum preço adicional?

Há casos em que o comprador também pode querer incluir no contrato a possibilidade de remoção do vendedor da administração da companhia sem justa causa. Nesse caso, o vendedor fará jus ao earn-out, ou a uma parte dele, ainda que as metas não tenham sido atingidas?

De qualquer modo, ainda que o vendedor seja removido da administração da companhia, ou mesmo que não venha sequer a dela participar, será importante estabelecer meios para que seja mantido informado a respeito do desempenho da companhia para fins de avaliação do atingimento das metas do earn-out. Essa questão, aliás, foi analisada pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação nº 0125493-61.2012.8.26.0100, que garantiu a um vendedor de quotas demitido sem justa causa da administração da sociedade o direito de ter acesso a documentos e operações das atividades por ela desempenhadas, para que pudesse aferir a eventual frustração da condição suspensiva vinculada ao earn-out.

Christopher Harrison aponta que os earn-outs podem ser entendidos como se estivessem criando uma espécie de joint venture[22]. Há algum sentido nessa afirmação, já que, dependendo de como o earn-out for desenhado, comprador e vendedor estarão trabalhando juntos para desenvolver a companhia, ainda que com interesses nem sempre convergentes. Por esse motivo, a venda das ações da companhia pelo comprador durante o período de earn-out, ou mesmo a realização de um IPO, pode, na visão do vendedor, impactar negativamente a sua capacidade de atingir as metas; o vendedor pode não querer estar atrelado a novos sócios com os quais não negociou o earn-out. É por isso que é comum que se preveja que, ocorrendo uma dessas situações, o earn-out será pago, no todo ou em parte, antecipadamente.

8. Outras situações de earn-out: compra de participação minoritária na companhia alvo, e a alienação de controle de companhia aberta

Ao longo do presente artigo, tratamos em geral da hipótese de earn-out na aquisição do controle ou da totalidade das ações da companhia alvo. Mas isso não quer dizer que o earn-out esteja restrito a esses casos. O earn-out também é bastante empregado nas hipóteses de compra de participação minoritária, em que o vendedor continua a controlar a companhia. Aplicam-se aqui, de modo geral, todas as considerações feitas ao longo dos itens antecedentes, com a diferença de que, como o vendedor permanecerá com a titularidade das ações do bloco de controle, ele provavelmente continuará a comandá-la, não podendo ser removido dessa posição, salvo em situações muito extremas.

Embora seja uma situação rara, mesmo em mercados mais desenvolvidos como nos Estados Unidos[23], o earn-out em tese também pode ser usado em operações de M&A envolvendo companhias abertas. O art. 254-A da LSA estabelece que, na alienação onerosa do controle de companhia aberta brasileira, o adquirente tem o dever de realizar uma oferta pública para a compra das ações votantes dos acionistas minoritários, por preço correspondente a, no mínimo, 80% (oitenta por cento) do valor pago por ações integrante do bloco de controle. Impõe, pois, um tratamento equitativo entre o acionista controlador alienante e os acionistas minoritários da companhia. Conforme já examinamos em outra oportunidade[24], caso, nessas situações, o alienante e o adquirente estabeleçam um earn-out, o potencial pagamento futuro deverá ser colocado à disposição dos minoritários na oferta feita pelo adquirente do controle, em observância ao tratamento equitativo previsto em lei. Caso as metas do earn-out sejam cumpridas, o adquirente do controle deverá fazer o pagamento adicional tanto ao controlador alienante quanto aos minoritários que tiverem aderido à oferta.

9. Considerações Finais

Os norte-americanos têm uma expressão idiomática que casa bem com o que é o earn-out: “put your money where your mouth is”[25]. Se o vendedor afirma que o valor da companhia é superior ao preço oferecido pelo comprador porque tem a convicção que a sua performance nos anos seguintes será excepcional ou aposta na ocorrência de certos eventos futuros e incertos, que aumentarão seu valor, uma saída, como discutido ao longo deste artigo, pode ser vincular a promessa do vendedor a um preço adicional e estabelecer que este valor contingente, o earn-out, somente será devido se os tais fatos vierem a se confirmar.

O earn-out é assim uma solução engenhosa para alocar riscos em relação ao futuro e transpor o hiato das avaliações divergentes do comprador e do vendedor a respeito da companhia. Mas, como diz outro dito popular que também se encaixa nessa situação, “o diabo mora nos detalhes”. O fato é que a cláusula de earn-out aumenta a complexidade da operação de M&A e pode se tornar uma fonte de disputa entre as partes mais adiante. Há muito espaço para divergências, em especial no que se refere à administração da companhia durante o período de earn-out. Há de se ter cuidado para evitar que, em prol de resolver um impasse no presente, o earn-out não se converta em um futuro litígio. Recomenda-se, assim, que a cláusula de earn-out seja bem estruturada diante das especificidades da companhia e das metas acordadas e com regras claras e precisas, de fácil entendimento, de modo a minimizar os variados conflitos que possam surgir entre comprador e vendedor.

Bibliografia

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  1.  Para facilitar a fluência da leitura, nos referimos ao longo do texto apenas à compra e venda de ações de companhias. De modo geral, os apontamentos feitos aqui, todavia, aplicam-se também à compra e venda de quotas representativas do capital social de sociedades limitadas e de estabelecimentos.
  2. A esse respeito, veja-se KOHERS, Ninon; ANG, James. Earnouts in Mergers: Agreeing to Disagree and Agreeing to Stay. The Journal of Business, Vol. 73. The University of Chicago Press, Julho de 2000; e CAIN, Matthew D.; DENIS, David J.; DENIS, Diane K. Earnout: A Study of Financial Contracting in Acquision Agreements. Journal of Accounting & Economics (JAE): Elsevier, Maio de 2010.
  3. “Lemon” é a gíria atribuída a um carro cheio de defeitos. Um “market lemons” seria justamente um mercado em que é custoso ou de outro modo muito difícil para que compradores consigam adequadamente distinguir os ativos de qualidade dos “lemons”. Esse tema foi examinado em 1970 em artigo seminal de autoria do Professor George A. Akerlof (The Market for "Lemons": Quality Uncertainty and the Market Mechanism. The Quarterly Journal of Economics. MIT Press, agosto de 1970, vol. 84, nº 03).
  4. IBRAHIM, Darian M. Equity Crowdfunding: a Market for Lemons? William & Mary Law School Research Paper 09-292, Março de 2015. Manuscrito disponível em < http: http://www.minnesotalawreview.org/wp-content/uploads/2016/01/Ibrahim_4fmt.pdf > (acesso em 27.09.2017).
  5. KOHERS; ANG, op. cit., p. 447.
  6.  QUINN, Brian J.M. Putting Your Money Where Your Mouth Is: The Performance of Earnouts in Corporate Acquisitions. University of Cincinnati Law Review, fevereiro de 2013, vol. 81, Issue 1, p. 136; BARTLETT, Joseph. Equity Finance: Venture Capital, Buyouts, Restructurings and Reorganizations. 2.ed. New York: Wolters Kluwer Law & Business, 2014, p. 327.
  7. QUINN, op. cit., p. 164.
  8. BARTLETT, op. cit., p. 326.
  9.  MARTINS-COSTA, Judith. Contrato de Cessão e Transferência de Quotas. Acordo de Sócios. Pactuação de Parcela Variável do Preço Contratual denominada Earn Out. Características e Função (“Causa Objetiva”) do Earn Out. In: Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo: Revista dos Tribunais, Jul-Set de 2014, vol. 42, p. 153. 
  10. KALANSKY, Daniel; SANCHEZ, Rafael. Earn Out nas Operações de Fusões e Aquisições (M&A). In: Finanças Corporativas: aspectos jurídicos e estratégicos. BROTEL, Sérgio (coord.). São Paulo: Atlas, 2016, p. 157.
  11. LIMA, Stefan Lourenço de. A Cláusula de Earn-Out nos Contratos de Fusões e Aquisições. In: Temas Relevantes de Direito Empresarial. PERES, Tatiana Bonatti (coord.). Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, 2014, p. 375.
  12. No caso do “reverse earn-out” ocorre exatamente o contrário. É o comprador que talvez tenha que se resguardar do risco de  o vendedor vir a se tornar insolvente.
  13. Diferentemente do que ocorre nos earn-out nos Estados Unidos, onde, conforme ensina Christopher Harrison, diante do inadimplemento do comprador, o vendedor não tem “ownerhip claims” para reaver do comprador as ações vendidas. HARRISON, Christopher. Make the Deal: Negotiating Mergers & Acquisitions. New Jersey: Bloomberg Press, 2016, p. 82.
  14. Art. 106, § 1º, da LSA.
  15. LAMY FILHO, Alfredo. Capital Social. In: LAMY FILHO, Alfredo; PEDREIRA, José Luiz Bulhões (coord.). Direito das Companhias, 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p.145.
  16. A esse respeito, vide LOBO, Carlos Augusto da Silveira. Noção de Capital Social. In: Estudos em Homenagem a Carlos Alberto Menezes Direito, PEREIRA, Antonio Celso Alves; MELLO, Celso Renato D.A. (coord.). Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 178.
  17. Como aponta com precisão Carlos Augusto da Silveira Lobo, o sistema do capital social tem por objetivo acomodar o conflito entre os acionistas da companhia que podem querer retirar recursos da companhia e os credores que querem manter tais recursos dentro da companhia, para que possam satisfazer seus créditos (Ibid, p. 179 ).
  18. É nesse sentido que a LSA estabelece no seu art. 174 que, nos casos de redução de capital da companhia para restituir aos acionistas o valor das ações, é necessário publicar a ata de assembleia geral que a tiver deliberado, para que os credores da companhia tomem conhecimento e, querendo, possam se opor à redução do capital.
  19.  FREUND, James C. Anatomy of a Merger: Strategies and Techniques for Negotiating Corporate Acquisitions. New York: Law Journal Press, 1975, p. 206.
  20. Ibid, p. 220.
  21. Ibid, p. 221.
  22. HARRISON, Christopher. Make the Deal: Negotiating Mergers & Acquisitions. New Jersey: Bloomberg Press, 2016, p. 82.
  23. Ibid, p. 83. Como leciona Harrison, nos Estados Unidos o ajuste posterior de preço baseado em eventos ocorridos após o fechamento é chamado de “contigent value right” ou “CVR”, que pode constituir um título negociável no mercado. O autor reconhece, de qualquer modo, que os CVRs são raramente utilizados e impõem uma complexidade ainda maior ao negócio.
  24. PENNA, Paulo Eduardo. Alienação de controle de companhia aberta. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 233.
  25. Essa expressão é inclusive empregada como parte do título de um dos textos citados neste artigo (QUINN, op. cit.).

 

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